domingo, 28 de março de 2010

Folhas Secas


E ele estava lá, sentado na escada, em frente a sua casa, vendo os carros passarem, as pessoas com pressa, correndo sem destino, queimando sua existência em favor de um sistema, nada daquilo faz sentido, as crianças não brincam mais nas ruas, sua bola está murcha em cima do armário, em sua chuteira ainda restam manchas de barro da sua última partida, ele tentou mudar isso tudo, mas não teve tempo, as coisas mudaram, tudo passou e ninguém viu pra que lado que se foi.

Correr e gritar perdeu a graça, eu só quero um motivo, um motivo pra isso tudo ter acabado, eu só quero um motivo pra isso tudo ter que voltar, não há motivos, as formas não existem, nada aconteceu, nada vai acontecer, tudo passou, tudo vai passar, algo vai voltar? Pra mim não, quem sabe pra você.

Minha bola não está furada, ela só cansou de ficar cheia, ela se libertou de mim, eu ainda a desejo, mas não vejo o porquê ela voltaria pra mim, ela cansou, ela mudou, ela se diferenciou, mas eu continuo aqui, ainda desejo ela, ela não é mais tudo aquilo que eu queria, mas eu não quero mais nada a não ser ela. O que eu faço pra mudar as coisas? O que eu faço para ser normal?

Eu teria de lhe dizer: volta pra mim, você é tudo que eu quero. Mas nada vai mudar isso, eu já lhe disse uma vez. Não, ela não vai querer, ela está bem, segura e salva, em cima do armário, e eu aqui, sentado na escada, vendo minha vizinha varrer a calçada.

A árvore derrubou várias folhas ao chão, a sua vizinha estava varrendo a calçada, a vassoura estava velha, a vizinha cansada, passou a vida inteira construindo algo que foi destruído.

Eu vejo uma folha, está correndo, mas correndo de quem? Eu acho que ela corre do vento. Sim, ela deve estar correndo do vento. Não! Definitivamente, ela não está correndo do vento, ela está correndo com o vento, veja seus movimentos, ela quer ser aquilo que o vento é, ela quer correr pelos ares, ela quer ser livre, mas não pode, ela não pode correr, tem algo que a segura, e é muito pesado. Seu corpo. Você não pode voar enquanto não se livrar de seu corpo, ele é muito pesado, você não vai conseguir subir, você precisa deixar isso pra trás, abandonar tudo, deixar pra trás o que trás consigo e voar, voar como o vento, voar sem ter um destino, voar sem olhar para trás. Mas eu não quero voar, estou muito bem acomodado aqui, sentado na escada, em frente a minha casa, vendo minha vizinha varrer as folhas, e as folhas querendo ser vento.

Então a chuva decidiu aparecer, ela estava ali, se escondendo por trás dos morros, mas ela também cansou da brincadeira; a folha, coitadinha, não estava mais voando, a chuva a molhou, seu corpo ficou mais pesado, e ela não conseguiu mais voar, ela estava presa, presa ao seu mundo, ela perdeu seu sonho, ela perdeu seu brilho, ela estava se despedaçando, ela já não serve pra mais nada, ela já trabalhou, ela já brilhou, ela já voou, não até onde queria, ela queria chegar bem mais longe, mas ela já fez o seu trabalho, agora ela não serve pra mais nada, seu brilho? Seu brilho acabou. Agora ela ofusca. Seu trabalho? Seu trabalho é inútil, tenho folhas melhores pra por no lugar dela. Seu destino? Você sabe qual é. Agora ela não pode mais voar, sua vida acabou, ela quis voar, ela tentou ser livre, mas não pôde, ela precisava fazer seu trabalho. E eu estou aqui, sentado na escada, a chuva espantou minha vizinha.

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